Deslizamentos no litoral de SP: Desastre climático, econômico e social!

O mês de fevereiro ficou marcado pelos chamados “eventos climáticos extremos” no litoral norte de São Paulo, que até o momento deixaram mais de 60 mortos, e mais de 3 mil pessoas sem casa, principalmente na cidade de São Sebastião. O crescimento da intensidade e quantidade destes eventos vem assombrando o mundo todo e os deslizamentos deste Carnaval são mais um sintoma dos efeitos da destruição ecológica gerada pelo capitalismo. Estes eventos afetam principalmente os mais pobres: as vítimas eram trabalhadores que moravam nas encostas, grande parte de trabalhadores negros, numa região repleta de praias e mansões.
A tragédia no litoral paulista não é um caso isolado. Antes desse episódio, ocorreram mais de 30 mortes na Grande São Paulo e no interior do estado em consequência das chuvas desde dezembro. Em Minas Gerais, 22 pessoas morreram neste período chuvoso. No estado do Rio de Janeiro, seis mortes foram registradas em 24 horas, durante uma tempestade no começo deste mês. Estados como Ceará e Pernambuco também passam por enchentes, enquanto uma forte seca atinge o Rio Grande do Sul, afetando a produção de alimentos.
A crise climática afeta todo o globo terrestre e enquanto isso, os governos de turno apresentam soluções idealistas, como “consciência e educação ambiental” em abstrato, sem tocar no sistema da propriedade privada e no saque extrativista promovido por grandes multinacionais, que mantém as classes oprimidas reféns das crises climáticas e sociais. Seguem alimentando a máquina do sistema capitalista e imperialista, que destrói biomas de maneira predatória (principalmente nos países do sul global) e empurra os mais pobres para os locais mais perigosos do ponto de vista ambiental.
Na periferia do sistema capitalista internacional, os Estados sequer agem de maneira paliativa. No Brasil, apesar dos inúmeros alertas, há uma permanente negligência na prevenção e em medidas mínimas de contenção dos danos, o que evidencia o papel desse organismo na manutenção das desigualdades sociais, ambientais e econômicas. No caso da tragédia paulista, vários estudos indicavam a necessidade de obras de contenção na rodovia Rio-Santos, assim como a necessidade de realocação dos moradores das áreas de risco, mas nada foi feito. A cidade de São Sebastião, por exemplo, abriga um terminal petroleiro e parte desses recursos que deveriam ser destinados a prevenção de desastres como esse, são utilizados para outros fins. De 2013 para cá, o orçamento federal para prevenção de desastres caiu de R$ 11,46 bilhões para R$ 1,17 bilhão [1].
Esse período coincide com o crescimento da pressão do sistema financeiro sobre o orçamento público e o aprofundamento da investida neoliberal contra os direitos sociais. Não há possibilidade de atendimento mínimo desse ponto de vista, sem rompermos com a chantagem neoliberal do sistema bancário e financeiro, que estrangula o orçamento dos serviços sociais. Tal impasse também é político, pois não é possível, no espírito da “frente ampla”, manter intereses antagônicos, como os dos povos tradicionais e do agronegócio/mineração em harmonia, sem o prejuízo dos mais pobres nessa “aliança”.
Uma das respostas do Estado, além da ação paliativa e temporária de atendimento às vítimas, tem sido o controle e repressão social, levando policiais para garantir a segurança da propriedade privada, com o fim de evitar saques nesse momento de desespero e revolta, além do despejo forçado da população através de uma ordem judicial sem qualquer alternativa de amparo ou realocação dos moradores. A tragédia que já se estabelecia no local ganha proporções mais dramáticas à medida que o Estado força violentamente a remoção destas pessoas sem apresentar alternativas de moradia.
Essa tragédia é mais um exemplo de que estes eventos climáticos extremos atingem principalmente a população mais precarizada e negligenciada pelas classes dominantes. Quando o direito à terra e ao trabalho é tomado, trabalhadoras e trabalhadores, populações tradicionais, como caiçaras e povos originários, são jogados às margens de onde um dia já foi seu território. Os mapas da região são evidentes: De um lado, casas de veraneio e espaços de turismo elitizados e desocupados a maior parte do ano; do outro, nas áreas íngremes da Serra do Mar, a população que em grande parte trabalha para essas elites. Por conta da especulação imobiliária e a indústria do turismo, essa população trabalhadora é empurrada para as zonas de deslizamento e outros riscos. A Rodovia Rio-Santos funciona como um muro entre os mais ricos e a população precarizada,concretizando uma espécie de apartheid social.
Enquanto a especulação capitalista e o Estado avançam em seus projetos de elitização das áreas litorâneas, com poucas ações além das mais urgentes, a resposta popular tem sido a auto-organização através de correntes de solidariedade para retirar pessoas dos deslizamentos, assim como campanhas via movimentos sociais para arrecadação de recursos às populações atingidas. A solidariedade de classe se evidencia nesse momento, e escancara o desprezo das classes dominantes com a população mais precarizada, com a saída da região das pessoas mais ricas de helicópteros e a alta generalizada de preços dos insumos básicos pelos grandes comerciantes.
Não há solução deste problema climático sem aprofundarmos a crítica e a destruição do sistema capitalista-estatista em longo prazo. Enquanto houver desigualdade social e econômica, os mais afetados pelos desastres ambientais e as mudanças climáticas serão sempre os trabalhadores assalariados, os povos tradicionais e demais membros das classes oprimidas. Por sua própria condição de classe, a burguesia e as classes dominantes não têm interesse em resolver a crise climática.
É urgente um modelo de organização da sociedade com um viés ecológico, equilibrado e socialista, no qual todas e todos tenham acesso a moradias planejadas e geridas por órgãos das trabalhadoras e trabalhadores, e decidam diretamente sobre as questões relacionadas a seus territórios. Essa transformação só é possível com a auto-organização dos povos que, além de pautar as transformações de ordem econômica contra o Capital e a administração sob o Estado, também podem refletir sobre como fazer uso da natureza de forma integrada, pautando a igualdade e uma vida melhor para todos os povos e seres vivos. Colocar os recursos políticos, econômicos e sociais nas mãos da classe trabalhadora e dos povos oprimidos é central para que possamos apontar uma superação deste grave impasse sócio-ambiental.
No curto e médio prazo, acreditamos que é necessário construir um programa político socialista, libertário e internacional que impulsione as classes oprimidas a constituírem ou radicalizarem seus organismos de luta, territórios e formas de associação para modelos que possam enfrentar a destruição desenfreada pelo Capitalismo e pelo Estado-nacional, visando sua superação. Todos os espaços sociais e movimentos populares necessitam dar atenção à questão climática e ambiental, vinculando a luta por reformas sociais e econômicas às questões ecológicas que sempre atingem os mais pobres. Ao mesmo tempo, precisamos romper com a chantagem do sistema financeiro que estrangula o orçamento básico dos serviços sociais e exigir medidas básicas de prevenção e reação, que possam ser acionadas em caso de emergência.
Ainda no campo tático e imediato, precisamos fortalecer a construção de redes de apoio, solidariedade e ação popular, que possam dar conta da prevenção de desastres, denúncia e construção de espaços territoriais que sejam seguros às classes oprimidas. Essa luta passa pela defesa da reforma urbana e agrária, assim como o controle da terra pelos movimentos populares do campo e da cidade.
Historicamente, os anarquistas defendem a luta pela autogestão federalista, libertária e internacionalista que enfrente a dominação sob os povos e sob a natureza. É com esse horizonte que seguimos atuando para destruir esse sistema de morte, e transformar completamente as relações sociais e ecológicas!
Coletivo Mineiro Popular Anarquista
Federação Anarquista do Rio de Janeiro
Organização Anarquista Socialismo Libertário
Rusga Libertária